Era aniversário de 91 anos da minha vó, a casa cheia, uma enormidade de comida, música alta, conversas ainda mais altas, a bebedeira instalada, o caos criado. A casa da vó sempre foi cheia, viva. Um organismo altivo, agarrado ao pé de uma escadaria irregular na Vila dos Comerciários com um poste de jardim sempre aceso à noite como um farol para indicar onde a vida estava acontecendo.
Tinha borboletas na barriga quando avizinhava o poste de luz quando minha família chegava para alguma confraternização. Tudo me encantava. Os gritos dos meus tios, os cachorros que a minha vó sempre teve que ficavam completamente fora de controle com cada familiar que chegava. A casa exalava amor e a minha vó era a personificação da alegria da casa cheia.
Não importa a hora que a gente estava indo embora, ela ficava em uma genuína frustração em ver a casa aos poucos se esvaziando. Ficava irritada quando algum neto estava de dieta e não queria comer a quantidade que uma pequena família come por dois dias. Se emburrava quando os copos ficavam vazios.
Nos 91 anos, sentei do lado da vó e fiz uma pequena ode à sua longevidade, a delícia que era viver muito, que ela viveria muito mais ainda. Ela sorriu, me olhou e discordou com a cabeça. Eu sorri de volta e não disse nada. Acho que a consciência do apagar da vida me deixou desacorçoado. Fui sentar nas escadas que davam para o hall de entrada na rua, o Bob, atual cachorro da casa, me olhou e cansadamente foi sentar do meu lado e tentar morder minha mão. Fiz um pouco de carinho e ele em seguida se acalmou, talvez por cansaço. A noite estava bonita, e a luz do poste de jardim piscou, tremulou, falhou. Fiz mais um carinho, voltei para dentro.
Em uma dia muito, mas muito mais cinza que o normal fiquei sabendo da morte do Bob. Chorei um pouco, senti um pouco, não cheguei a nenhuma conclusão além de sentir a tristeza.
Um pouco depois minha vó ficou doente, passou dias internada, teve que ficar em um residencial onde viveu até seus últimos dias. Visitei ela semanalmente. Ela não abria os olhos e contava de pessoas que passavam de caminhão, personagens que nunca tinha ouvido falar de uma vida que nunca tinha visitado.
Minha vó morreu, como todas as vós um dia vão morrer, e visitei a casa dela uma última vez. Peguei para me lembrar dela um presente que dei em um aniversário, conversei um pouco com o pessoal, olhei para a casa do Bob desgastada pelo tempo e vazia e para a fachada da casa da vó desgastada pelo tempo e vazia. Descendo as escadas no começo da noite o poste de luz estava apagado.